“Quero ser lembrado como o sanfoneiro que amou e cantou muito seu povo, o sertão; que cantou as aves, os animais, os padres, os cangaceiros, os retirantes, os valentes, os covardes, o amor. Este sanfoneiro viveu feliz por ver o seu nome reconhecido por outros poetas, Quero ser lembrado como o sanfoneiro que cantou muito o seu povo, que foi honesto, que criou filhos, que amou a vida, deixando um exemplo de trabalho, de paz e amor". Luiz Luz Gonzaga " Gonzagão"
terça-feira, 17 de agosto de 2010
A sanfoneira caçula Chiquinha Gonzaga
A sanfoneira caçula
Irmã do Rei do Baião, a forrozeira Chiquinha Gonzaga está chegando aos 85 anos e não tem a menor vontade de se aposentar
Por: Tom Cardoso
Publicado em 24/05/2010
A sanfoneira Chiquinha Gonzaga levou três surras de sua mãe, dona Santana. As três de cinto e pelo mesmo motivo: a teima em tocar o fole de oito baixos do irmão mais velho. Hoje, “adoentada” depois de ter sido atropelada quando caminhava pelas ruas da praia de Boa Viagem, em Recife, onde mora, ela não sofre mais resistência de ninguém. A briga é com o próprio corpo. Chiquinha quer reunir forças para gravar um documentário sobre sua vida e, quem sabe, o terceiro disco de sua instável carreira. Não se deve subestimar nunca a força de uma sertaneja. Além de enfrentar a mãe e o machismo da sociedade nordestina, Chiquinha sempre carregou o peso de ser irmã do cabra mais respeitado de suas bandas, não só o rei de seu instrumento, mas o inventor do baião: Luiz Gonzaga (1912-1989).
Dos nove filhos de dona Santana e seu Januário, apenas dois estão vivos: Chiquinha e Muniz, sua irmã mais nova e caçula da família, que fez a vontade da mãe e nunca se atreveu a encostar o dedo numa sanfona. “Eu sei que minha responsabilidade é grande, meu filho”, diz Chiquinha. “Não só por ser a única representante dos Gonzaga, mas também por manter vivos o forró e o baião. O que eles tocam por aí não tem nada a ver com forró: é música sem tradição, feita para mulher tirar a roupa.” Chiquinha não dá nome aos bois, mas ela se refere claramente à banda Calypso e a grupos similares, que fazem imenso sucesso misturando ritmos nordestinos com música pop. “Eles vendem o peixe dizendo que é forró, mas não é, não”, diz, encerrando o assunto. Ela só conseguiu tocar sanfona quando Luiz Gonzaga, já famoso e liderando as paradas de sucesso de Rio e São Paulo, resolveu levar toda a família de Exu para o Rio de Janeiro.
Se viajar do sertão pernambucano para qualquer cidade do sul do Brasil ainda hoje é uma aventura, imagine no começo da década de 1950. O percurso da família consumiu 18 dias. Chiquinha faz um esforço de memória para relembrar exatamente o dia em que pisou no Rio de Janeiro. “Meu filho, só sei que foi uma emoção enorme. Luiz estava fazendo sucesso e era muito querido pelos cariocas. Essa foi nossa sorte.” De fato, quando seu Januário e dona Santana chegaram à então capital brasileira, seu filho mais talentoso havia tomado conta da cidade. Já era uma estrela, um dos artistas do primeiro time da Rádio Nacional (uma espécie de TV Globo da época), e não precisava mais ganhar a vida tocando tango e valsas nas zonas de meretrício da cidade.
Generoso, disposto a arrumar trabalho para a família inteira, Gonzagão criou o grupo Os Sete Gonzagas, formado por ele, o pai e mais cinco irmãos, incluindo, mesmo sob os protestos de dona Santana, a jovem Chiquinha Gonzaga. Ela seguiu os passos do pai, mestre da sanfona de oito baixos, e adotou imediatamente o instrumento. Fizera o certo, já que Januário, sentindo o peso da cidade grande, decidiu voltar com parte da família para Exu. “O grupo fez sucesso por dois meses. Meu irmão tinha feito a parte dele, ajudado, mas depois cada um tinha de fazer o seu futuro”, conta Chiquinha. E o de Chiquinha foi ao altar. Casada, futura mãe de três filhos, ela deixou a vida artística para virar dona de casa. Tocar sanfona, apenas para o divertimento dos filhos – um deles, Sérgio, hoje acompanha a mãe em seus shows.
Só nos anos 70 a sanfoneira voltou a viver de música. O pai de Oswaldinho do Acordeon, afilhado de Chiquinha, havia aberto uma casa de forró no bairro do Brás, em São Paulo, e fez questão de convidar a comadre para animar os bailes. Na época, o próprio Luiz Gonzaga enfrentava um período de baixa popularidade (todos os artistas de rádio acabaram sendo “vitimados” pelo advento da bossa nova e, depois, da jovem guarda) e acabara de ser resgatado pelos tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil – Caetano regravou Asa Branca e Gil, 17 Légua e Meia. Com o baião de volta às paradas, a casa de forró do pai de Oswaldinho vivia lotada, e Chiquinha por um bom tempo alimentou os três filhos com seu fole de oito baixos.
Pronde tu vai?
Acostumada aos altos e baixos da carreira, Chiquinha foi levando a vida. Já havia aposentado a sanfona quando recebeu o convite para gravar um depoimento no filme Viva São João, de Andrucha Waddington, lançado em 2001. Durante as filmagens acabou fazendo amizade com um velho fã de Gonzagão, aquele mesmo que anos antes contribuíra para o ídolo voltar ao trono de Rei do Baião. Gilberto Gil insistiu para que Chiquinha gravasse seu primeiro disco. O compositor baiano não só produziu o álbum Pronde Tu Vai, Luiz?, gravado em 2002, como participou de duas faixas. “Gil me ajudou muito, muito mesmo. Ele gostava mesmo de meu irmão, de verdade”, lembra, emocionada. Apadrinhada pelo tropicalista, conseguiu agendar alguns shows pelo país.
Quando a sanfoneira completou 80 anos, em 2005, seu filho Sérgio conseguiu que ela gravasse o segundo disco, Chiquinha Gonzaga 8 e 80, uma brincadeira com o número de baixos de sua sanfona (instrumento raramente utilizado pelos sanfoneiros de hoje) e sua idade. “Quando você acha que ela vai desistir, aposentar de vez, ela se anima e volta para a estrada como se fosse uma menina”, diz Sérgio. Chiquinha não vê a hora de sarar das feridas causadas pelo atropelamento – ela ainda sente dores nas costas e nos braços – para voltar à estrada. Em julho do ano passado, participou da homenagem a Luiz Gonzaga organizada pela Secretaria da Cultura de São Paulo.
Chiquinha, representando o Rei do Baião, recebeu a Ordem do Ipiranga, a mais alta honraria do governo do estado. “Aquele carequinha me prometeu que me chamaria de novo para tocar em São Paulo este ano”, diz Chiquinha, se referindo a José Serra, na época governador. “Ele pensa que não, mas eu vou cobrar!”
Respeita Januário! E ai de quem não der tratamento igual à filha do hômi. Irmã caçula do rei do baião, Chiquinha Gonzaga, 80 anos, já não carrega o fole de oito baixos no braço (o mesmo que lhe garantiu o título de rainha), mas garante que a voz continua segurando um forró daqueles de arrastar a chinela.
Primeira mulher brasileira a tocar o instrumento, a forrozeira aparece hoje, a partir das 19h, pelas bandas do Forró da Lua. Por telefone, de Recife, a voz fininha, mas disposta, anunciava uma história que já ultrapassa 80 primaveras. Indagada sobre o show de hoje e o momento atual da carreira, não contou conversa. Fez que nem era com ela. “Vai ser igual a todos os outros, não tem diferença não, meu filho! Eu não me preocupo mais com minha carreira. Já tenho 80 anos, estou achando é bom”, disse.
Essa é a terceira passagem da paraibana de Exú pelo Forró da Lua. Dessa vez, ela vem com o CD “De 8 a 80 - Chiquinha Gonzaga”, lançado em maio de 2006 em comemoração pelos 80 anos da carreira. E como ela mesma admite, deu um trabalho danado. “Passei dois meses num estúdio do Rio de Janeiro, deu um trabalho danado. O bom foi que eu vendi de uma tirada só. Mas também vendo barato a dez reais. Tem participação de 11 músicos, como Dominguinhos, Marinês, Joquinha Gonzaga... nesse CD eu ainda toco o fole de oito baixos. Mas nos shows não dá mais não. Está muito pesado para mim, mas em compensação a voz continua boa para cantar”, afirma.
Morando na capital pernambucana há quatro anos depois de passar 50 anos no Rio de Janeiro, Chiquinha reclama do forró de hoje ainda que tenha certeza da sobrevivência do ritmo. “Vejo umas coisas doidas. Em 2005, no São João de Exú, vi quatro bandas de forró. Um absurdo! Pelo menos ano passado colocaram só uma. Mas pode fazer o que quiserem que o forró nunca vai abaixo”, defendeu.
Idealizador do Forró da Lua, o empresário Marcos Lopes lembra com carinho das outras duas passagens de Chiquinha Gonzaga pela casa. “Foram shows muito bons, apesar dos 80 anos Chiquinha tem muita vivacidade. Mas também ninguém pode esperar dela a força de uma jovem. Das outras vezes ela cantou durante uma hora, uma hora e meia, músicas de Luiz Gonzaga, Ranchinho de Paia, do potiguar Chico Elion, lembra o Zé Dantas, é muito bom”, recorda.
Chiquinha começou carreira após briga
Levada nos anos 50 ao Rio de Janeiro pelo irmão mais famoso, Luiz Gonzaga, Chiquinha deslanchou na carreira somente depois de uma briga que teve com Marieta, mulher de Gonzagão. Perguntada sobre o assunto, ela lembra do sufoco que foi quando o rei do baião anunciou o fim do grupo que reunia a família. “Na época a gente chegou ao Rio de Janeiro e fizemos `Os Sete Gonzagas´ (grupo formado pelos seus irmãos e que valeu um documentário gravado em 1952 pela televisão canadense). A gente gravou um programa de televisão e iria renovar por mais um ano. Só que a Marieta era muito encrenqueira e falou alguma coisa para o Luiz Gonzaga, que ficou bravo, e disse para os seis irmãos: `agora que todo mundo sabe cantar´, vai cada um procurar o seu rumo que vou tomar o meu caminho. Mas só eu segui carreira. Tem outras duas irmãs minhas que cantam, mas não é profissionalmente. Então meu outro irmão Zé Gonzaga me deu um fole de oito baixos para que eu aprendesse a tocar em seis meses. Quando deu o tempo, ele fez um teste e disse que eu estava pronta para fazer show. E Severino Januário me ajudou a gravar o primeiro CD”, conta ela que gravou cinco vinis e dois CDs.
20 anos sem Gonzagão // Em respeito a Januário Chiquinha Gonzaga, irmã do Rei do Baião, primeira mulher a tocar os oito baixos, dá continuidade à tradição da família
Aos 82 anos, Francisca Januária dos Santos, que divide o nome de Chiquinha Gonzaga com a célebre pianista e
Chiquinha diz que teve que se virar sozinha para levantar o nome que carrega e não contou com a ajuda do irmão famoso. Foto: Ricardo Fernandes/DP/D.A. Press
compositora brasileira, trabalha para manter viva a alma musical da família do maior compositor e representante da cultura nordestina. Luiz Gonzaga se foi há 20 anos. Com o irmão, ela aprendeu o baião e o xaxado. Aprendeu também que a fama não vem sem sacrifício pessoal, e que laços sanguíneos não significam, necessariamente, ajuda mútua. Ela teve que se virar sozinha para firmar o nome que carrega. A primeira mulher a tocar os oito baixos caiu nas graças de Gilberto Gil, que produziu o CD Pronde tu vai, Luiz? Ela dá continuidade à tradição familiar, principalmente do pai. "É preciso manter a tradição de meu pai Januário, o maior sanfoneiro que o Nordeste já teve", diz ela, que não deixa de cantar os versos que tanto gosta. "Luiz, respeita Januário/ Luiz, respeita Januário/ Luiz, tu pode ser famoso mas teu pai é mais tinhoso/ E com ele ninguém vai, Luiz/ Respeita os oito baixo do teu pai".
A infância em Exu
Nós éramos um povoado em uma cidadezinha muito pequena, pacata. Os nove filhos de Januário e Santana, todos nós, gostávamos muito das festas que tinha lá, no Natal ou em outras ocasiões, para nós era a maior riqueza. Meu pai já tocava nas festas, nós dançando. Tudo era festejado com forró. Aí a gente foi crescendo, Luiz foi para o meio do mundo e depois a gente. Mas hoje Exu tá do mesmo jeito, mudou um pouquinho só. A última vez em que estive lá foi em dezembro do ano passado. Eu gosto, chego lá e me dá recordação.
A partida de Luiz
Ele tinha uma namorada lá de Exu, e o pai da moça não aprovava o namoro. Quando ele recebeu uma surra dos meus pais, resolveu ir embora. E a gente ficou lá. Era estranho ter um a menos.
Saída de Exu
Em Exu tinha dois políticos grandes, que mandavam em tudo. Eu não sei direito a razão, mas meu pai se desentendeu com eles. Minha mãe mandou logo um telegrama para Luiz, que estava no Rio de Janeiro. Ele queria voltar para Exu dizendo que ia matar gente, era metido a valente. Um amigo o aconselhou a não fazer isso e mandar as passagens para que a gente fosse encontrar com ele.
A construção da carreira
Eu só fui subir no palco profissionalmente aos 41 anos. Mas desde pequena tocava aquela sanfoninha, escondida de todos. Quando chegamos ao Rio de Janeiro, Gonzaga montou um show com todos nós, ensaiamos durante um mês com o Dr. Roberto Teixeira. Mas eu era a que mais gostava de aparecer. Ficou muito bonito o show, que se chamava "Os sete Gonzagas". Naquela época foi um sucesso tão grande que quiseram que a gente continuasse por mais um ano. Só que Luiz disse que não, que ia ser só ele e que a gente se virasse. "Vão seguir a carreira de vocês." Aquilo me magoou muito.
Eu disse: "apois eu vou." Eu parei de me apresentar em 1951. Levei mais de uma década cuidando da família. Depois meu irmão Severino Januário me ajudou, me colocou em cima do palco, isso em 1973. Fui para São Paulo gravar meu primeiro vinil. Eu viajava de 15 em 15 dias para tocar forró em São Paulo.
Sucesso de Chiquinha e relação com Gonzaga
Depois que ele casou com Helena, ficou mais distante. A sogra dele falava: "Luiz, você não fique trabalhando com Chiquinha, não, que ela pode passar na sua frente". Ela tinha um ódio da gente tão grande. Como é que eu ia botar Gonzaga para trás? Ele era casado, mas a velha é que dirigia tudo.
Filhos de Gonzagão
Gonzaguinha nunca foi muito próximo da família. Mas Rosinha é que não chegava nem perto de nós. Ela teve um único filho que não deixava a gente pegar. É uma história triste, a dela. Não tenho mais contato com ela, ela é muito fechada. A família continua acontecendo sem ela.
Planos
Hoje em dia eu estou preguiçosa para tocar. Mas levei uma bronca do Gilberto Gil. Ele disse: "Você foi a primeira mulher que tocou com 'isso' debaixo do braço, vai ter que tocar". Ainda mais agora que os Gonzagas foram morrendo e a tradição não pode se perder. Aí agora a gente tá com esse show "O forró dos Gonzagas", onde participamos eu, Joquinha, Daniel e Sérgio.
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